Já é oficial, o verbo inglês “to tweet” está abrasileirado. A versão traduzida do verbo foi incluída na nova edição do dicionário Aurélio. Agora é possível conjugar esse verbo sem medo de ser corrigido: “eu tuito”, “tu tuitas”, “eles tuitam”, “vós tuitais”. E esse não é o único verbete ligado aos novos comportamentos tecnológicos que foi adicionado à língua oficial.
O verbo ‘blogar’, além de substantivos como ‘fotolog’, ‘blue tooth’ e ‘blu-ray’, também irão compor essa nova edição do dicionário, que chega ao mercado 6% maior do que a anterior. Segundo informações divulgadas pela Editora Positivo, são mais de três mil palavras da escrita contemporânea. Entre elas, expressões e palavras que já estão na boca do povo, mas que ainda não haviam encontrado lugar nos livros, como por exemplo ‘sex shop’, "botox", "balada", ‘nerd’, ‘test drive’ e ‘bullying’.
Os usuários de chats de bate-papo, programas de conversas instantâneas como o MSN Messenger e redes sociais como Orkut, Twitter e Facebook já estão familiarizados com termos como LOL, FYI e OMG. Essas siglas de origem estrangeira surgiram na rede como alternativa para ganhar espaço nos textos e agilizar o processo de escrita e, em pouco tempo tornaram-se populares entre os internautas que hoje se comunicam com um dialeto praticamente próprio. Agora, porém, estão presentes nos cadernos e redações dos alunos do Ensino Médio, retomando uma velha discussão: a internet ajuda ou atrapalha a desenvolver a escrita dos alunos?
Choque de palavras
Em meio a tantas palavras novas, alunos, professores e especialistas da língua dividem opiniões quanto aos benefícios e potenciais prejuízos do uso intensivo da internet para o desenvolvimento da escrita. Ocorre que a internet cria termos novos a todo o momento e nem tudo é oficializado pelos dicionários. Nesse contexto em que a norma culta da língua ensinada pelos professores se choca com as gírias e os vícios de linguagem advindos da internet, cria-se a relação “alunos, escrita e internet”, que se torna um objeto de estudo importante para tentar entender até onde vai à influência da internet e de que forma, professores e alunos devem trabalhar com essa ferramenta que, ao mesmo tempo, ajuda no acesso ao conhecimento, mas pode atrapalhar caso não haja uma boa orientação.
A estudante Milena Fernandes, de 17 anos, cursa o terceiro ano do Ensino Médio na Escola Estadual Jesuíno de Arruda, em São Carlos, e é um exemplo de aluna antenada quando o assunto é redes sociais. Ela possui contas em diversos sites de relacionamento, além de ficar conectada ao MSN a maior parte do tempo. A estudante conta que possui dificuldades na hora da escrita e na caligrafia, uma vez que cada dia menos ela pratica a escrita no papel. “Às vezes, quando vou escrever uma redação, devido ao costume de escrever com pressa no MSN, tenho que reler duas vezes para não deixar passar nada sem vírgula ou acento”.
Quando questionada se a internet ajuda ou atrapalha, ela acredita que depende da pessoa e do uso que ela faz da rede. “Trata-se de uma questão de adequação. Se eu entro no MSN hoje falando correto e vejo todo mundo falando de outra forma, em uma semana eu já vou falar do mesmo jeito. É algo automático”, explica a aluna.
Matheus Ferreira, aluno do segundo ano do Ensino Médio da Escola Estadual Arlindo Bittencourt, também em São Carlos, segue na contramão dos jovens adeptos a esse novo tipo de linguagem: “Eu não uso gírias porque não acho que soe bonito, não gosto desse estrangeirismo e acredito que isso ocorre por uma questão de status. As pessoas falam em inglês porque na cabeça delas isso é o topo da pirâmide”, expõe o aluno.
Mas o que será que os professores estão achando disso tudo? Débora Scopim, coordenadora de Língua Portuguesa na Oficina Pedagógica de São Carlos, acredita que com uma boa orientação a internet pode ser uma ferramenta poderosa para desenvolver o potencial de escrita dos alunos, porém, o seu uso pode ser prejudicial ao desempenho da escrita quando se torna a única escrita com que eles têm contato. “Se os alunos não forem bem conduzidos e não tiverem um repertório vasto, não conseguirão diferenciar as diversas situações de comunicação, nem quando devem utilizar cada uma das formas de linguagem”, declara.
A coordenadora ainda relata que em uma das avaliações ministradas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, na qual o gênero textual solicitado foi um artigo de opinião, um dos alunos construiu um diálogo parecido com o que ocorre no MSN. “Isto demonstra o quanto a internet influencia na escrita dos alunos, tanto em relação à estrutura quanto em relação às abreviações, como ‘to’, ‘ta’, ‘vc’, ‘tbm’, ‘qlq’ e outras formas de escrita”, conclui.
Para Luzmara Curcino, doutora na área de Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre as representações do Leitor Brasileiro Contemporâneo da universidade, não existe motivo para alarde. “A incorporação dos novos termos ao dicionário é um fenômeno natural da ‘vida’ da língua, diferentemente do que podem crer os catastrofistas de plantão, a língua portuguesa não vai se perder, se deturpar, deixar de ser língua portuguesa”, afirma. Segundo ela, a incorporação de termos a dicionários como o Aurélio é na verdade o reconhecimento de uso já legitimado sócio-culturalmente pelos falantes.
Sobre o uso da internet no âmbito escolar, Débora Scopim, coordenadora da Língua Portuguesa, pontua que “a escola deve ter o compromisso de usar a internet como referência para os diferentes usos sociais da língua. Negá-la pode ser um erro ainda maior”, conclui.
Por Luan Emílio do Ciência Web (IEA USP-São Carlos)