O Superior Tribunal de Justiça (STF) negou provimento a Recurso Especial interposto pela Pandurata Alimentos Ltda., detentora da marca Bauducco, e confirmou o acórdão do Tribunal de Justiça condenando a empresa por campanha publicitária lançada em junho de 2007 para promover a venda dos biscoitos “Gulosos”, o que caracterizou “venda casada”, prática abusiva proibida pelo Código do Consumidor.
Durante a campanha, batizada de “É hora de Shrek” o consumidor deveria juntar cinco embalagens de produtos da linha “Gulosos” e, nos pontos de “troca” indicados, entregá-los junto com R$ 5,00 para receber um dos cinco modelos de relógios com a figura do personagem do filme “Shrek”.
De acordo com a ação, ajuizada em julho de 2008 pela Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, a campanha caracterizou “venda casada”. “A campanha publicitária em questão atrai toda a atenção do consumidor para o relógio do Shrek, de sorte a ser natural que tenha ele despertado um desejo específico de aquisição do relógio, independentemente dos “gulosos”, sustenta a Promotoria na ação. “Mas só pode comprar o relógio se antes adquirir alguns pacotes do biscoito ou bolo. Vale dizer: a compra de pelo menos 5 pacotes de biscoito é condição sine qua non para a subsequente compra do relógio”, complementa.
A ação lembra ainda que a estratégia publicitária da empresa manifestamente explora a inexperiência e a deficiência de julgamento das crianças, o que também fere o Código de Defesa do Consumidor. “É notório que as crianças não possuem maturidade (psicológica, emocional e intelectual) bastante para entender o caráter publicitário do apelo. É isso, aliás, que parece inspirar campanhas publicitárias como as que aqui se questiona: com alegorias de sabido interesse infantil, a criança é seduzida à idéia de consumir determinados produtos”, sustenta. Para a Promotoria, as práticas da Bauducco, nesse caso, violam o direito da criança ao respeito aos valores e ao desenvolvimento moral.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância, mas o MP recorreu e em maio de 2013 a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Bauducco “a não mais adotar prática comercial que implique em condicional a aquisição de um bem ou serviço à compra de algum de seus produtos e não mais promover campanha de publicidade para as crianças, sem estrita observância das regras próprias”, com a fixação da pena de multa no valor de R$ 50 mil em caso de descumprimento. O acórdão também condenou a Bauducco a indenizar a sociedade em R$ 300 mil pelos danos difusos produzidos por seu ato ilícito.
Para o TJ, ficou caracterizada a venda casada. “Os consumidores somente poderiam adquirir o relógio se comprassem 5 produtos da linha ‘Gulosos’ e ainda pagassem a quantia de R$ 5,00”, diz o acórdão. “A venda do relógio, portanto, estava condicionada à compra dos bolinhos e biscoitos. Sem estes, aquele não poderia ser adquirido”. A decisão lembra que essa prática é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. “O consumidor não pode ser obrigado a adquirir um produto que não deseja”, complementa o acórdão.
A Bauducco, então, interpôs recurso especial junto ao STJ, que em abril julgou o caso, mantendo a decisão do Tribunal de Justiça. “Irretocável o acórdão da origem, ao vedar que os responsáveis por crianças sejam constrangidos a comprar determinados produtos que efetivamente não desejam”, escreveu o relator, Ministro Humberto Martins. Para o STJ, o caso caracteriza publicidade duplamente abusiva. “Primeiro, por se tratar de anúncio ou promoção de venda de alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças. Segundo, pela evidente ‘venda casada’, ilícita em negócio jurídico entre adultos e, com maior razão, em contesto de marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil" (art. 39, I, do CDC)”, diz a ementa do STJ.