Por meio da análise do plasma sanguíneo de pessoas diagnosticadas com Covid-19, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP criaram um método com potencial para prever qual será a gravidade da doença em pacientes que testam positivo para o novo coronavírus. O estudo é o pontapé inicial para o desenvolvimento de um novo protocolo clínico que poderá ajudar médicos e hospitais a identificarem, logo nos primeiros dias de sintomas, quem deve receber cuidados diferenciados mais rapidamente, tornando-se uma importante ferramenta de triagem. A pesquisa foi publicada este mês na revista científica internacional Journal of Proteome Research.
No trabalho, os cientistas descobriram que pacientes infectados pelo novo coronavírus apresentam variações na concentração de seis substâncias (metabólitos) produzidas naturalmente pelo nosso corpo e que são encontradas no sangue: glicerol, acetato, 3-aminoisobutirato, formato, glucuronato e lactato. Durante as análises, os especialistas observaram que, quanto maior era o desequilíbrio na quantidade desses metabólitos no início da infecção, mais graves os quadros de saúde das pessoas se tornaram. “O que vimos em pacientes que evoluíram para casos graves de Covid-19 é que havia uma alteração mais acentuada na concentração desses compostos quando eles procuraram atendimento médico”, explica Banny Correia, pós-doutoranda do IQSC e uma das autoras do trabalho.
O estudo avaliou o plasma sanguíneo de 110 pacientes com sintomas gripais que deram entrada, ainda em 2020, no Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Dessas pessoas, 57 (grupo controle) não estavam infectadas pelo novo coronavírus, enquanto 53 testaram positivo para Covid-19. Entre os infectados, 10 deles tiveram complicações e foram internados em UTI, sendo que dois faleceram. Esse grupo que teve o quadro clínico agravado apresentou variações mais robustas nos metabólitos já no início da infecção, quando procuraram o hospital. “Monitorando a quantidade dessas seis substâncias produzidas por diferentes vias do metabolismo, é possível ter um prognóstico sobre qual será a gravidade da infecção. Desta forma, quando o paciente procurar ajuda, o médico poderá prever por meio de um exame clínico se ele vai precisar de internação e, assim, agir rapidamente para evitar a evolução da doença”, explica Daniel R. Cardoso, docente do IQSC e coordenador da pesquisa.
De acordo com o professor, o novo coronavírus provoca alterações em diferentes processos metabólicos do corpo humano, em especial nas vias de produção de energia, independentemente de qual seja a variante do Sars-Cov 2. “O vírus da Covid infecta a célula, altera o seu metabolismo e usa as vias energéticas para se replicar. A partir disso, ocorrem variações na quantidade daquelas seis substâncias, sendo que algumas têm sua concentração reduzida e outras aumentada. O grau de desequilíbrio na concentração desses compostos indica o quanto o metabolismo foi afetado, permitindo prever se as condições clínicas do paciente serão agravadas”, relata.
As análises das amostras de sangue foram feitas com o uso de uma técnica chamada Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear de Alto Campo, realizada a partir de um sofisticado equipamento presente em um dos laboratórios do IQSC. “É um aparelho tipicamente de pesquisa que foi utilizado para analisar o efeito da Covid-19 no metabolismo e estudar a severidade da doença no organismo humano. A avaliação, no entanto, também poderá ser feita por meio de exames clínicos simples realizados em laboratórios e hospitais, focando especificamente no painel de metabólitos identificados em nossa pesquisa. O resultado fica pronto rapidamente”, ressalta Banny.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 20% das pessoas infectadas com o coronavírus desenvolvem insuficiência respiratória e disfunção de outros órgãos que requerem oxigenoterapia urgente ou intervenções específicas. Embora idosos e pacientes com comorbidades tenham risco maior de ficarem gravemente doentes, jovens e adultos saudáveis também podem desenvolver casos graves de Covid-19 e terem complicações a longo prazo após a infecção, como dor no peito, sequelas neurológicas e problemas de circulação. Essa é, atualmente, uma das principais preocupações dos médicos devido ao impacto na qualidade de vida dos pacientes e até mesmo na economia, uma vez que as pessoas afetadas não conseguem realizar suas ocupações normalmente.
A expectativa dos pesquisadores é de que o novo método se torne um protocolo adotado pelos hospitais no futuro. Para validar a técnica, nos próximos passos da pesquisa os cientistas planejam ampliar o número de amostras de plasma sanguíneo a serem avaliadas e incluir novos grupos no estudo, como o de vacinados que contraem Covid-19, por exemplo. Outra meta é englobar informações sobre gênero e idade nas estatísticas. “Além da Covid-19, esse tipo de análise poderá ajudar a descobrir metabólitos marcadores de predição de severidade em outras infecções virais e auxiliar uma resposta mais rápida em futuras pandemias”, conclui Daniel.
Pelo IQSC, também participaram do estudo o professor Emanuel Carrilho, os pós-doutorandos Mariana Almeida e Vinicius Ferreira e a doutoranda Priscila Piagge. O trabalho, que contou ainda com a colaboração de pesquisadores da Unifesp e da Faculdade de Medicina do ABC, teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, Processo 17/01189-0), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio da Rede de Pesquisa em Metabolômica e Diagnóstico da Covid-19 (MeDiCo) USP/CAPES.
Por Eduardo Sotto Mayor e Henrique Fontes